11/08/2016
Por Ariane Mondo – Ascom ISD, com informações da AASDAP
Fotos: Divulgação AASDAP
No dia 12 de junho de 2014, o Projeto Andar de Novo, um consórcio científico internacional sem fins lucrativos, realizou uma demonstração científica inédita durante a cerimônia de abertura da Copa do Mundo de Futebol do Brasil. Nessa ocasião, um jovem brasileiro, com quase dois terços do seu corpo paralisado, desferiu o chute inaugural da Copa do Mundo, usando uma interface cérebro-máquina que permitiu que controlasse os movimentos de um exoesqueleto de membros inferiores, enquanto ele recebia sinais de feedback tátil dos pés desse robô.
Passados dois anos daquela demonstração pública, o consórcio publica o seu primeiro trabalho clínico, descrevendo os achados obtidos durante os primeiros 12 meses de treinamento de oito pacientes paraplégicos crônicos, de janeiro a dezembro de 2014. O Instituto Internacional de Neurociencias Edmond y Lily Safra (IIN-ELS), uma das unidades do Instituto Santos Dumont (ISD) localizada em Macaíba (RN), integra o time internacional que participou desse estudo clínico, composto por neurocientistas, engenheiros e equipe multidisciplinar de reabilitação.
O estudo publicado em 11 de agosto de 2016 no periódico científico inglês Scientific Reports (link do artigo em inglês AQUÍ) relata a descoberta de que o grupo de pacientes que continuou a treinar com sistemas controlados pela atividade cerebral, incluindo um exoesqueleto motorizado, foi capaz de readquirir a habilidade de mover voluntariamente alguns músculos das pernas e sentir sensações de tato, dor, propriocepção e vibração emanados dos membros paralisados.
Essa recuperação parcial se deu apesar destes pacientes terem sido diagnosticados clinicamente com uma lesão medular completa, em alguns casos mais de uma década atrás. Os pacientes também recuperaram um grau importante de movimentos peristálticos intestinais e do controle do esvaziamento da bexiga e demonstraram uma melhora sensível das suas funções cardiovasculares, que em um dos casos resultou em uma redução significativa do grau inicial de hipertensão.
Baseado nesses achados, esse é o primeiro estudo a relatar a ocorrência de uma recuperação neurológica parcial em pacientes portadores de lesões medulares que levaram à paraplegia completa, como resultado de um longo período (12 meses) de reabilitação baseada no uso de interfaces cérebro-máquina (ICMs).
Edgard Morya, coordenador de pesquisas do IIN-ELS, relata que testes iniciais começaram em Macaíba no início do projeto Andar de Novo, em 2013. Ele afirma ainda que o IIN-ELS colaborou com os primeiros testes de desenvolvimento para integração da interface cérebro-máquina, realidade virtual e marcha robótica.
Reorganização cerebral
Em face desses resultados surpreendentes, os cientistas do Projeto Andar de Novo levantam a hipótese de que o regime de treinamento de longo prazo provavelmente promoveu um processo de reorganização funcional cerebral que reativou nervos que sobreviveram a lesão medular original, mas que permaneceram dormentes desde então.
O time de pesquisadores, liderados por miguel nicolelis, diretor do Centro de Neuroengenharia da Universidade Duke (EUA), coordenador científico do Projeto Andar de Novo e Presidente do Conselho de Administração do ISD, conta que o limite da surpreendente recuperação clínica observada nos pacientes permanece desconhecido, uma vez que ela continua a evoluir desde a demonstração realizada na Copa do Mundo.
Todavia, Nicolelis acredita que a descoberta descrita nesse primeiro estudo poderá no futuro mudar práticas na área de reabilitação voltadas a pacientes paraplégicos, ao promover as interfaces cérebro-máquina, de uma tecnologia assistiva, para uma potencial nova terapia de reabilitação de lesões da medula espinhal. Um segundo manuscrito relatará a recuperação observada de dezembro de 2014 até junho de 2016.
Saiba mais sobre os desdobramentos do estudo clínico AQUÍ.
Parceiros e financiadores do Projeto Andar de Novo
Todo o trabalho clínico foi realizado no Laboratório de Neuroreabilitação da Associação Alberto Santos Dumont para Apoio à Pesquisa (AASDAP) em São Paulo, Brasil. Os autores estão associados com a AASDAP, com a Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), o Instituto de Ensino e Pesquisa Alberto Santos Dumont (ISD), a Escola Politécnica Federal de Lausanne, na Suíça, a Universidade Técnica de Munique, na Alemanha, e Universidade da Califórnia Davis e Universidade Duke, nos Estados Unidos.
Esse estudo foi parte do Projeto Andar de Novo, financiado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e pelo Itaú Unibanco. O Projeto Andar de Novo também recebeu apoio do Programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (InCemaq), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq/MCTIC e FAPERN.
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