Feminicídios: “Inação do Brasil sobre filhos das vítimas contribui para invisibilidade de histórias, violência e adoecimento de gerações”, aponta jornalista em aula no ISD

Publicado em 5 de junho de 2021
A jornalista Renata Moura investigou as consequências dos feminicídios para os filhos das vítimas, no mestrado, e transformou as descobertas que fez em reportagem

Kamila Tuenia

Repórter

Qual o impacto de um feminicídio na vida das pessoas que ficam, sobretudo, dos filhos das vítimas? Segundo a jornalista e mestre em jornalismo investigativo pela Birkbeck University of London, da Inglaterra, Renata Moura, danos psicológicos, sociais e emocionais se arrastam por décadas para meninos e meninas, parte deles testemunhas dos crimes que vitimaram suas mães. 

O assunto foi apresentado pela jornalista a alunas e alunos da disciplina Educação para a Cidadania Global do Instituto Santos Dumont (ISD), que tem à frente o professor-pesquisador e diretor-geral do Instituto, Reginaldo Freitas Júnior, e é ofertada nos programas de pós-graduação da Residência Multiprofissional no Cuidado à Saúde da Pessoa com Deficiência e do Mestrado em Neuroengenharia.

Renata investigou os impactos dos feminicídios para os filhos das vítimas como trabalho de conclusão de mestrado, a dissertação jornalística “We saw, we saw dad killing mom, and we were left here with nothing” (Nós vimos, nós vimos meu pai matar a minha mãe e ficamos aqui sem nada), aprovada neste ano e adaptada em português, com trechos inéditos, como a reportagem “A criança suja de sangue” (www.acriancasujadesangue.com.br) – publicada em um hotsite especial em parceria com o jornal Tribuna do Norte.

Imagem da reportagem A Criança Suja de Sangue: Investigação sobre impactos dos feminicídios resultou em texto e vídeo – e durou dois anos

Durante dois anos, a jornalista levantou dados via Lei de Acesso à Informação, analisou mais de 600 boletins de ocorrência, cruzou com informações de documentos judiciais, outras obtidas via questionários, e fez entrevistas com especialistas, filhos de vítimas de feminicídio e uma mulher que sobreviveu a uma tentativa de feminicídio, que conta como isso afetou o filho, que tinha cinco anos de idade na época. 

O trabalho foi inicialmente inspirado em um caso de 2016, no Rio Grande do Norte, em que um menino de 3 anos testemunhou o feminicídio da mãe e passou a imitar diariamente o som dos tiros que ouviu. 

Segundo Renata, a inação do Estado alimenta um ciclo de violência sem fim. “Não existem políticas públicas no Brasil para os que ficam. Há apenas iniciativas isoladas. Os filhos das vítimas carregam por anos as consequências do crime, muitas vezes presenciados por eles. Nos formulários de boletins de ocorrência, por exemplo, não há sequer um espaço para responder se a vítima tem filhos ou não e quem eles são. O Estado não sabe se eles adoecem, se reproduzem a violência, se e como são afetados”, conta a jornalista, acrescentando que faltam informações, acompanhamento psicológico e apoio financeiro para essas famílias. 

“Existem muitas definições formais sobre o que é um feminicídio. Mas para os filhos dessas mulheres, o grande significado desse crime é a morte da mãe e a falta de apoio para seguir em frente”, observou ela na aula chamada “Feminicídios no Brasil: e eu com isso?, realizada na última quarta-feira, dia 2 de junho.

“E eu com isso?”

Os alunos da disciplina foram provocados a refletir sobre a realidade dos feminicídios no Brasil a partir da ótica que Renata trouxe sobre os filhos dessas mulheres, que morrem em razão de seu gênero, em casos que envolvem violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação ao alvo por ser mulher, segundo a definição da Lei do Feminicídio. 

A Lei 13.104/15 foi criada a partir de uma recomendação da CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) sobre Violência contra a Mulher do Congresso Nacional, que investigou a violência contra as mulheres nos estados brasileiros entre março de 2012 e julho de 2013.

“Cada um aqui dentro da sua área e dentro da sua vida consegue responder essa pergunta, consegue pensar em qual o seu ‘e eu com isso?’. O meu foi este trabalho, uma coisa que me incomodou como repórter e depois foi levada para a universidade. Eu queria que as pessoas soubessem dessa realidade, queria tirar essas pessoas da invisibilidade. Para que isso – a realidade dos feminicídios – mude, é importante que as pessoas conheçam essas histórias”, relatou Renata, durante a aula. 

Estão entre os frutos do “e eu com isso?” da jornalista o convite do Conselho Nacional do Ministério Público para o programa Em Pauta, transmitido nesta semana no YouTube pela Unidade Nacional de Capacitação do Ministério Público (UNCMP), onde seu trabalho levantou a discussão sobre a realidade das vítimas os efeitos ignorados desses crimes para os seus filhos. Dê o play abaixo para assistir:

Além disso, a dissertação foi discutida em maio por toda a rede de atendimento a crianças e mulheres vítimas de violência do Mato Grosso do Sul, a convite da Defensoria Pública do Estado, e  utilizada entre os argumentos da juíza Amini Haddad, do Mato Grosso, ao apresentar um projeto que prevê treinamento para juízes lidarem com casos de violência que envolvem crianças.

Renata Moura é mestre em Investigative Reporting (Jornalismo Investigativo) pela Birkbeck University of London, foi repórter da BBC News Brasil em Londres e é vencedora de 27 prêmios de jornalismo. Além disso, é listada pelo Portal dos Jornalistas entre os jornalistas mais premiados do Nordeste e do Brasil. Ela ocupou o cargo de assessora de comunicação do ISD durante cerca de um ano, até o início de junho de 2021.

“Eu vi a vida saindo dos olhos da minha mãe”

O estudante de psicologia Emanuel Santos, que aparece na tela, falou sobre “e quando se fica”, durante a aula. Ele tinha 4 anos de idade quando viu o pai matar a mãe no Rio Grande do Norte

Uma das histórias contadas pela jornalista em seu trabalho de mestrado é de Emanuel Santos, hoje estudante de psicologia e com 25 anos de idade, que lembra: “eu vi a vida saindo dos olhos da minha mãe”.

Em 3 de dezembro de 2000, ele viu o pai matar a mãe, Gerlândia, em Santana do Matos, cidade do Rio Grande do Norte a 191 km da capital, Natal. Emanuel foi convidado para a aula e, em participação por videoconferência, deu seu relato aos alunos do ISD.

O estudante falou sobre as consequências que o crime presenciado na infância deixaram em sua vida, entre elas depressão, tentativas de suicídio e, até a adolescência, um comportamento agressivo.

“Na escola eu era chamado de louco, o apelido que mais me doía era ‘Emanuel Loucura’. Por conta do que eu vi, a minha reação era sempre agressiva, eu tinha crises de ira na escola, tive depressão e atentei contra a minha própria vida duas vezes, até que resolvi buscar a cura”, contou ele na conversa com os alunos e também em trecho da entrevista concedida à jornalista, exibido em um vídeo disponível online com áudios originais de filhos das vítimas. Clique aqui para acessar

Para Emanuel, duas das maiores dificuldades de sua história foram, além da ausência da mãe, os comentários dos colegas na escola e a falta de assistência adequada. Perguntado sobre como as ‘pessoas comuns’ podem ajudar crianças como ele, ele diz que “o que mais pode ajudar uma criança que tem consigo uma história de feminicídio é amor, carinho, abraço, cheiro, afago”. 

A vivência da dor de Emanuel o fez entender a importância da proteção às mulheres, para que não se tornem vítimas, e também dos filhos. “Quando uma mãe morre, não é só uma morte que acontece, são várias mortes diárias. Hoje eu entendo como é importante cuidar dos órfãos, ninguém olha pra nós, a sociedade julga e a gente passa a vida tendo que catar os próprios cacos. É importante cuidar do amanhã para que outros feminicídios não aconteçam e, para isso, a gente precisa entender e ressignificar a masculinidade”, acrescenta Emanuel. 

Ressignificar a masculinidade 

Você já ouviu a expressão “o machismo mata”? Já se perguntou sobre o que está por trás da morte violenta de uma mulher? Segundo o relatório final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência contra a Mulher, que criou a Lei do Feminicídio, o crime é a última instância de controle da mulher pelo homem, o controle da vida e da morte. “Ele se expressa como afirmação de posse”, diz o documento, apontando que o comportamento possessivo masculino, entre outras tantas razões, leva as mulheres a sofrerem diversos tipos de violência até a morte. 

Emanuel Santos conta que cresceu com a impressão de que a violência é o normal, mas que é preciso quebrar esse ciclo. “Eu cresci achando que a violência era o normal, a gente cresce em uma cultura entendendo que precisa ser ‘cabra macho’ e isso pode matar. Para mudar essa realidade, é preciso começar nas escolas, proporcionar para as crianças uma vida em que elas possam sonhar, educar meninos e meninas para que não aconteça mais o que aconteceu comigo, por exemplo”, relatou.

Slide apresentado na aula mostra Emanuel Santos durante palestra, já adulto, e na última foto que tirou com a mãe, Gerlândia, assassinada no ano 2000: “Para mudar essa realidade, é preciso começar nas escolas, proporcionar para as crianças uma vida em que elas possam sonhar, educar meninos e meninas para que não aconteça mais o que aconteceu comigo”, disse

Durante a aula, o diretor-geral do ISD, Reginaldo Freitas Júnior, falou sobre o quão importante é ressignificar a masculinidade para quebrar ciclos de violência. 

Ele também enfatizou que o diálogo com as crianças, o “acolha, escute, mas também explique”, é fundamental para ajudá-las a lidar com a violência que viveram. 

“Não se pode subestimar a capacidade da criança entender o que está ao redor dela. A criança pode ter dois anos, três anos, quatro anos, ela percebe o que está acontecendo. E não explicar é uma forma de violar direitos. Explique, converse, vá respondendo na medida em que ela pergunte, porque todos os canais de percepção das crianças estão abertos. Então acolha, escute, mas também explique”, disse ele à turma, formada por profissionais de psicologia, serviço social, fisioterapia, fonoaudiologia e engenharia biomédica.

Dados 

Faltam dados, políticas públicas e atenção aos filhos das mulheres vítimas de feminicídios no Brasil, apesar da curva ascendente de casos no país. Nos últimos cinco anos, cerca de 6 mil mulheres e meninas foram registradas em boletins de ocorrência no Brasil como vítimas de feminicídio. O número total de filhos que perderam as mães em decorrência desses casos é desconhecido, assim como o de mulheres vítimas do feminicídio é subnotificado, aponta a busca de dados feita por Renata. 

Slide apresentado na aula mostra nomes de mães assassinadas e o conceito de feminicídio: ““Existem muitas definições formais sobre o que é um feminicídio. Mas para os filhos dessas mulheres, o grande significado desse crime é a morte da mãe e a falta de apoio para seguir em frente”, disse jornalista

Um levantamento feito pela Rede Observatório da Violência, esboça dados recentes sobre a realidade atual e aponta que pelo menos cinco mulheres foram assassinadas ou vítimas de violência por dia em 2020. 

A jornalista também constatou que, apenas em São Paulo, cerca de 22% dos presos por feminicídio em um complexo de cadeias afirmam que cresceram em lares também violentos e que viram as mães serem espancadas ou assassinadas. “Impulsionados ou não por outros determinantes da criminalidade, antes de reproduzirem a barbárie contra mulheres, companheiras, filhas, irmãs, e conhecidas quando ficaram adultos, parte deles já havia sido presa por roubo, furto, tráfico de drogas, lesão corporal, ameaça e Lei Maria da Penha, por exemplo”, detalha Renata Moura no trabalho.

Ela observou durante a aula que a busca por soluções para essas histórias também passa pela conscientização sobre o papel das pessoas na sociedade, sobre estudos a respeito do perfil desses presos e sobre projetos para reabilitá-los de forma que entendam que não devem agredir ou matar, mas sim, tratar a mulher e qualquer outro ser humano com respeito e dignidade.

SAIBA MAIS:

EDUCAÇÃO PARA CIDADANIA GLOBAL

O ISD oferece a disciplina Educação para Cidadania Global desde 2018 nos programas de pós-graduação em Neuroengenharia e de Residência Multiprofissional no Cuidado à Saúde da Pessoa com Deficiência. Neste semestre, a disciplina reúne 19 alunos da Residência e do Mestrado –  incluindo profissionais de psicologia, serviço social, fonoaudiologia, fisioterapia, biomedicina e engenharia biomédica.

Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, feminicídios, educação para uma sociedade antirracista, direitos humanos, movimento LGBTQIA+, capacitismo, redução das desigualdades e empoderamento de mulheres e meninas na ciência estão entre os tópicos que serão abordados no semestre. A disciplina tem o pressuposto de pensar globalmente e agir localmente. 

“Se eu fosse resumir o que a gente pretende compartilhar ao longo do semestre eu diria que é pensar globalmente e agir localmente. Essa máxima não é minha. É do sociólogo Ulrich Beck e é esse entendimento de que eu pertenço a algo maior do que o que está ao redor do meu umbigo, de que eu estou conectado com esse algo maior, de que eu tenho para com esse algo maior direitos e deveres e de que isso tem a ver com o fato de eu respeitar a minha humanidade”, diz o professor-pesquisador e diretor-geral do ISD.

Texto:  Kamila Tuenia / Ascom – ISD

Fotos: Kamila Tuenia e Reprodução Google Meet 

Assessoria de Comunicação
comunicacao@isd.org.br
(84) 99416-1880

Instituto Santos Dumont (ISD)

É uma Organização Social vinculada ao Ministério da Educação (MEC) e engloba o Instituto Internacional de Neurociências Edmond e Lily Safra e o Centro de Educação e Pesquisa em Saúde Anita Garibaldi, ambos em Macaíba. A missão do ISD é promover educação para a vida, formando cidadãos por meio de ações integradas de ensino, pesquisa e extensão, além de contribuir para a transformação mais justa e humana da realidade social brasileira.

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Kamila Tuenia

Repórter

Qual o impacto de um feminicídio na vida das pessoas que ficam, sobretudo, dos filhos das vítimas? Segundo a jornalista e mestre em jornalismo investigativo pela Birkbeck University of London, da Inglaterra, Renata Moura, danos psicológicos, sociais e emocionais se arrastam por décadas para meninos e meninas, parte deles testemunhas dos crimes que vitimaram suas mães. 

O assunto foi apresentado pela jornalista a alunas e alunos da disciplina Educação para a Cidadania Global do Instituto Santos Dumont (ISD), que tem à frente o professor-pesquisador e diretor-geral do Instituto, Reginaldo Freitas Júnior, e é ofertada nos programas de pós-graduação da Residência Multiprofissional no Cuidado à Saúde da Pessoa com Deficiência e do Mestrado em Neuroengenharia.

Renata investigou os impactos dos feminicídios para os filhos das vítimas como trabalho de conclusão de mestrado, a dissertação jornalística “We saw, we saw dad killing mom, and we were left here with nothing” (Nós vimos, nós vimos meu pai matar a minha mãe e ficamos aqui sem nada), aprovada neste ano e adaptada em português, com trechos inéditos, como a reportagem “A criança suja de sangue” (www.acriancasujadesangue.com.br) – publicada em um hotsite especial em parceria com o jornal Tribuna do Norte.

Imagem da reportagem A Criança Suja de Sangue: Investigação sobre impactos dos feminicídios resultou em texto e vídeo – e durou dois anos

Durante dois anos, a jornalista levantou dados via Lei de Acesso à Informação, analisou mais de 600 boletins de ocorrência, cruzou com informações de documentos judiciais, outras obtidas via questionários, e fez entrevistas com especialistas, filhos de vítimas de feminicídio e uma mulher que sobreviveu a uma tentativa de feminicídio, que conta como isso afetou o filho, que tinha cinco anos de idade na época. 

O trabalho foi inicialmente inspirado em um caso de 2016, no Rio Grande do Norte, em que um menino de 3 anos testemunhou o feminicídio da mãe e passou a imitar diariamente o som dos tiros que ouviu. 

Segundo Renata, a inação do Estado alimenta um ciclo de violência sem fim. “Não existem políticas públicas no Brasil para os que ficam. Há apenas iniciativas isoladas. Os filhos das vítimas carregam por anos as consequências do crime, muitas vezes presenciados por eles. Nos formulários de boletins de ocorrência, por exemplo, não há sequer um espaço para responder se a vítima tem filhos ou não e quem eles são. O Estado não sabe se eles adoecem, se reproduzem a violência, se e como são afetados”, conta a jornalista, acrescentando que faltam informações, acompanhamento psicológico e apoio financeiro para essas famílias. 

“Existem muitas definições formais sobre o que é um feminicídio. Mas para os filhos dessas mulheres, o grande significado desse crime é a morte da mãe e a falta de apoio para seguir em frente”, observou ela na aula chamada “Feminicídios no Brasil: e eu com isso?, realizada na última quarta-feira, dia 2 de junho.

“E eu com isso?”

Os alunos da disciplina foram provocados a refletir sobre a realidade dos feminicídios no Brasil a partir da ótica que Renata trouxe sobre os filhos dessas mulheres, que morrem em razão de seu gênero, em casos que envolvem violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação ao alvo por ser mulher, segundo a definição da Lei do Feminicídio. 

A Lei 13.104/15 foi criada a partir de uma recomendação da CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) sobre Violência contra a Mulher do Congresso Nacional, que investigou a violência contra as mulheres nos estados brasileiros entre março de 2012 e julho de 2013.

“Cada um aqui dentro da sua área e dentro da sua vida consegue responder essa pergunta, consegue pensar em qual o seu ‘e eu com isso?’. O meu foi este trabalho, uma coisa que me incomodou como repórter e depois foi levada para a universidade. Eu queria que as pessoas soubessem dessa realidade, queria tirar essas pessoas da invisibilidade. Para que isso – a realidade dos feminicídios – mude, é importante que as pessoas conheçam essas histórias”, relatou Renata, durante a aula. 

Estão entre os frutos do “e eu com isso?” da jornalista o convite do Conselho Nacional do Ministério Público para o programa Em Pauta, transmitido nesta semana no YouTube pela Unidade Nacional de Capacitação do Ministério Público (UNCMP), onde seu trabalho levantou a discussão sobre a realidade das vítimas os efeitos ignorados desses crimes para os seus filhos. Dê o play abaixo para assistir:

Além disso, a dissertação foi discutida em maio por toda a rede de atendimento a crianças e mulheres vítimas de violência do Mato Grosso do Sul, a convite da Defensoria Pública do Estado, e  utilizada entre os argumentos da juíza Amini Haddad, do Mato Grosso, ao apresentar um projeto que prevê treinamento para juízes lidarem com casos de violência que envolvem crianças.

Renata Moura é mestre em Investigative Reporting (Jornalismo Investigativo) pela Birkbeck University of London, foi repórter da BBC News Brasil em Londres e é vencedora de 27 prêmios de jornalismo. Além disso, é listada pelo Portal dos Jornalistas entre os jornalistas mais premiados do Nordeste e do Brasil. Ela ocupou o cargo de assessora de comunicação do ISD durante cerca de um ano, até o início de junho de 2021.

“Eu vi a vida saindo dos olhos da minha mãe”

O estudante de psicologia Emanuel Santos, que aparece na tela, falou sobre “e quando se fica”, durante a aula. Ele tinha 4 anos de idade quando viu o pai matar a mãe no Rio Grande do Norte

Uma das histórias contadas pela jornalista em seu trabalho de mestrado é de Emanuel Santos, hoje estudante de psicologia e com 25 anos de idade, que lembra: “eu vi a vida saindo dos olhos da minha mãe”.

Em 3 de dezembro de 2000, ele viu o pai matar a mãe, Gerlândia, em Santana do Matos, cidade do Rio Grande do Norte a 191 km da capital, Natal. Emanuel foi convidado para a aula e, em participação por videoconferência, deu seu relato aos alunos do ISD.

O estudante falou sobre as consequências que o crime presenciado na infância deixaram em sua vida, entre elas depressão, tentativas de suicídio e, até a adolescência, um comportamento agressivo.

“Na escola eu era chamado de louco, o apelido que mais me doía era ‘Emanuel Loucura’. Por conta do que eu vi, a minha reação era sempre agressiva, eu tinha crises de ira na escola, tive depressão e atentei contra a minha própria vida duas vezes, até que resolvi buscar a cura”, contou ele na conversa com os alunos e também em trecho da entrevista concedida à jornalista, exibido em um vídeo disponível online com áudios originais de filhos das vítimas. Clique aqui para acessar

Para Emanuel, duas das maiores dificuldades de sua história foram, além da ausência da mãe, os comentários dos colegas na escola e a falta de assistência adequada. Perguntado sobre como as ‘pessoas comuns’ podem ajudar crianças como ele, ele diz que “o que mais pode ajudar uma criança que tem consigo uma história de feminicídio é amor, carinho, abraço, cheiro, afago”. 

A vivência da dor de Emanuel o fez entender a importância da proteção às mulheres, para que não se tornem vítimas, e também dos filhos. “Quando uma mãe morre, não é só uma morte que acontece, são várias mortes diárias. Hoje eu entendo como é importante cuidar dos órfãos, ninguém olha pra nós, a sociedade julga e a gente passa a vida tendo que catar os próprios cacos. É importante cuidar do amanhã para que outros feminicídios não aconteçam e, para isso, a gente precisa entender e ressignificar a masculinidade”, acrescenta Emanuel. 

Ressignificar a masculinidade 

Você já ouviu a expressão “o machismo mata”? Já se perguntou sobre o que está por trás da morte violenta de uma mulher? Segundo o relatório final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência contra a Mulher, que criou a Lei do Feminicídio, o crime é a última instância de controle da mulher pelo homem, o controle da vida e da morte. “Ele se expressa como afirmação de posse”, diz o documento, apontando que o comportamento possessivo masculino, entre outras tantas razões, leva as mulheres a sofrerem diversos tipos de violência até a morte. 

Emanuel Santos conta que cresceu com a impressão de que a violência é o normal, mas que é preciso quebrar esse ciclo. “Eu cresci achando que a violência era o normal, a gente cresce em uma cultura entendendo que precisa ser ‘cabra macho’ e isso pode matar. Para mudar essa realidade, é preciso começar nas escolas, proporcionar para as crianças uma vida em que elas possam sonhar, educar meninos e meninas para que não aconteça mais o que aconteceu comigo, por exemplo”, relatou.

Slide apresentado na aula mostra Emanuel Santos durante palestra, já adulto, e na última foto que tirou com a mãe, Gerlândia, assassinada no ano 2000: “Para mudar essa realidade, é preciso começar nas escolas, proporcionar para as crianças uma vida em que elas possam sonhar, educar meninos e meninas para que não aconteça mais o que aconteceu comigo”, disse

Durante a aula, o diretor-geral do ISD, Reginaldo Freitas Júnior, falou sobre o quão importante é ressignificar a masculinidade para quebrar ciclos de violência. 

Ele também enfatizou que o diálogo com as crianças, o “acolha, escute, mas também explique”, é fundamental para ajudá-las a lidar com a violência que viveram. 

“Não se pode subestimar a capacidade da criança entender o que está ao redor dela. A criança pode ter dois anos, três anos, quatro anos, ela percebe o que está acontecendo. E não explicar é uma forma de violar direitos. Explique, converse, vá respondendo na medida em que ela pergunte, porque todos os canais de percepção das crianças estão abertos. Então acolha, escute, mas também explique”, disse ele à turma, formada por profissionais de psicologia, serviço social, fisioterapia, fonoaudiologia e engenharia biomédica.

Dados 

Faltam dados, políticas públicas e atenção aos filhos das mulheres vítimas de feminicídios no Brasil, apesar da curva ascendente de casos no país. Nos últimos cinco anos, cerca de 6 mil mulheres e meninas foram registradas em boletins de ocorrência no Brasil como vítimas de feminicídio. O número total de filhos que perderam as mães em decorrência desses casos é desconhecido, assim como o de mulheres vítimas do feminicídio é subnotificado, aponta a busca de dados feita por Renata. 

Slide apresentado na aula mostra nomes de mães assassinadas e o conceito de feminicídio: ““Existem muitas definições formais sobre o que é um feminicídio. Mas para os filhos dessas mulheres, o grande significado desse crime é a morte da mãe e a falta de apoio para seguir em frente”, disse jornalista

Um levantamento feito pela Rede Observatório da Violência, esboça dados recentes sobre a realidade atual e aponta que pelo menos cinco mulheres foram assassinadas ou vítimas de violência por dia em 2020. 

A jornalista também constatou que, apenas em São Paulo, cerca de 22% dos presos por feminicídio em um complexo de cadeias afirmam que cresceram em lares também violentos e que viram as mães serem espancadas ou assassinadas. “Impulsionados ou não por outros determinantes da criminalidade, antes de reproduzirem a barbárie contra mulheres, companheiras, filhas, irmãs, e conhecidas quando ficaram adultos, parte deles já havia sido presa por roubo, furto, tráfico de drogas, lesão corporal, ameaça e Lei Maria da Penha, por exemplo”, detalha Renata Moura no trabalho.

Ela observou durante a aula que a busca por soluções para essas histórias também passa pela conscientização sobre o papel das pessoas na sociedade, sobre estudos a respeito do perfil desses presos e sobre projetos para reabilitá-los de forma que entendam que não devem agredir ou matar, mas sim, tratar a mulher e qualquer outro ser humano com respeito e dignidade.

SAIBA MAIS:

EDUCAÇÃO PARA CIDADANIA GLOBAL

O ISD oferece a disciplina Educação para Cidadania Global desde 2018 nos programas de pós-graduação em Neuroengenharia e de Residência Multiprofissional no Cuidado à Saúde da Pessoa com Deficiência. Neste semestre, a disciplina reúne 19 alunos da Residência e do Mestrado –  incluindo profissionais de psicologia, serviço social, fonoaudiologia, fisioterapia, biomedicina e engenharia biomédica.

Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, feminicídios, educação para uma sociedade antirracista, direitos humanos, movimento LGBTQIA+, capacitismo, redução das desigualdades e empoderamento de mulheres e meninas na ciência estão entre os tópicos que serão abordados no semestre. A disciplina tem o pressuposto de pensar globalmente e agir localmente. 

“Se eu fosse resumir o que a gente pretende compartilhar ao longo do semestre eu diria que é pensar globalmente e agir localmente. Essa máxima não é minha. É do sociólogo Ulrich Beck e é esse entendimento de que eu pertenço a algo maior do que o que está ao redor do meu umbigo, de que eu estou conectado com esse algo maior, de que eu tenho para com esse algo maior direitos e deveres e de que isso tem a ver com o fato de eu respeitar a minha humanidade”, diz o professor-pesquisador e diretor-geral do ISD.

Texto:  Kamila Tuenia / Ascom – ISD

Fotos: Kamila Tuenia e Reprodução Google Meet 

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(84) 99416-1880

Instituto Santos Dumont (ISD)

É uma Organização Social vinculada ao Ministério da Educação (MEC) e engloba o Instituto Internacional de Neurociências Edmond e Lily Safra e o Centro de Educação e Pesquisa em Saúde Anita Garibaldi, ambos em Macaíba. A missão do ISD é promover educação para a vida, formando cidadãos por meio de ações integradas de ensino, pesquisa e extensão, além de contribuir para a transformação mais justa e humana da realidade social brasileira.

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