Reportagem publicada nesta segunda-feira (14) pelo jornal O Povo, do Ceará, mostra o que se sabe e o que está em investigação sobre como a Covid-19 pode afetar o cérebro.
O panorama é traçado com a ajuda de especialistas, entre eles, Edgard Morya, fisioterapeuta, pós-doutor em Fisiologia Humana e coordenador de pesquisas do Instituto Internacional de Neurociências Edmond e Lily Safra, do Instituto Santos Dumont (ISD), e Hougelle Simplício, médico neurocirurgião, doutor em Neurologia e coordenador do Centro Especializado em Reabilitação Auditiva, Física e Intelectual do Centro de Educação e Pesquisa em Saúde Anita Garibaldi, também do ISD.
Os pesquisadores explicam que pessoas que testaram positivo para a doença relatam sintomas relacionados ao sistema nervoso como tontura, dor de cabeça, alteração da consciência, doença cerebrovascular aguda, ataxia e convulsões.
Existem, entretanto, suspeitas de outras complicações como encefalite, paralisia aguda, síndrome de Guillain-Barré, encefalomielites e alterações musculares. Outras alterações também poderão ser relatadas com novas pesquisas e observação por maior tempo de pessoas que foram acometidas.
E, abaixo, veja a entrevista da repórter Catalina Leite, de O Povo, respondida por e-mail pelos pesquisadores do ISD.
ENTREVISTA CONCEDIDA AO JORNAL O POVO
Edgard Morya e Hougelle Simplício, pesquisadores do ISD
Até que ponto os coronavírus, como uma família, tendem a afetar o cérebro? É algo que foi observado no Sars-Cov ou no Mers? Ou os sintomas neurológicos que estão surgindo com o Sars-Cov-2 são algo novo?
Desordens neurológicas foram relatadas tanto no surto de MERS como de SARS-CoV, e mais recentemente no SARS-CoV-2. No caso do MERS o receptor para ligação do vírus para entrar na célula é o DPP4 (dipeptidyl peptidase 4), enquanto no SARS-CoV o receptor é o ACE2 (angiotensin-converting enzyme 2), porém há evidências que indicam que a afinidade do SARS-CoV-2 para o receptor ACE2 é maior. Embora essa ligação do SARS-Cov-2 com o receptor ACE2 seja conhecida, a forma como o vírus invade o sistema neurológico ainda não foi esclarecida. Entre as hipóteses, estão a invasão do cérebro através de células presentes no sangue ou através de neurônios (células do tecido neurológico) responsáveis pelo olfato e presentes no nariz.
Quais sintomas ou manifestações relacionadas ao cérebro e ao sistema nervoso têm sido observados em pacientes com Covid-19?
Os sintomas comuns relacionados ao sistema nervoso são tontura, dor de cabeça, alteração da consciência, doença cerebrovascular aguda, ataxia e convulsões. Existem suspeitas de outras complicações como encefalite, paralisia aguda, síndrome de Guillain-Barré, encefalomielites e alterações musculares. Entretanto, outras alterações ainda podem ser relatadas com as novas pesquisas e com a observação por maior tempo de pessoas que foram acometidas pela Covid-19.
Uma pesquisa ainda em pré-print (https://www.biorxiv.org/ content/10.1101/2020.06.25. 169946v2.full) sugere que existe a possibilidade de a letalidade do vírus ter relação com o impacto do mesmo no cérebro. Como essa hipótese pode mudar a forma que estamos lidando com a Covid-19?
As evidências de neuroinvasividade do SARS-CoV-2 têm sido relatadas por vários pesquisadores no mundo, porém o mecanismo exato ainda não está esclarecido. Sabendo as alterações e consequências do impacto no sistema nervoso, as intervenções podem ser preventivas para as desordens neurológicas.
As evidências de neuroinvasividade do SARS-CoV-2 têm sido relatadas por vários pesquisadores no mundo, porém o mecanismo exato ainda não está esclarecido. Sabendo as alterações e consequências do impacto no sistema nervoso, as intervenções podem ser preventivas para as desordens neurológicas.
Como classifica o nível de entendimento que a ciência já tem sobre o efeito da Covid-19 no cérebro? Quanto ainda precisa ser compreendido e estudado?
O conhecimento está aumentando com os relatos de casos com alterações neurológicas em todo o mundo. Atualmente existem evidências de que a neuroinvasividade do SARS-CoV-2 está relacionada com as consequências agudas da infecção e há dúvidas do impacto a médio e longo prazo dessa infecção. O investimento em pesquisas no Brasil e no mundo é essencial para acompanhar a população recuperada de Covid-19 para antecipar outras consequências ainda desconhecidas. A utilização de ferramentas de monitoramento em tempo real georefenciado pode ajudar nosso sistema de saúde a localizar possíveis modificações e organizar ações preventivas.
O conhecimento está aumentando com os relatos de casos com alterações neurológicas em todo o mundo. Atualmente existem evidências de que a neuroinvasividade do SARS-CoV-2 está relacionada com as consequências agudas da infecção e há dúvidas do impacto a médio e longo prazo dessa infecção. O investimento em pesquisas no Brasil e no mundo é essencial para acompanhar a população recuperada de Covid-19 para antecipar outras consequências ainda desconhecidas. A utilização de ferramentas de monitoramento em tempo real georefenciado pode ajudar nosso sistema de saúde a localizar possíveis modificações e organizar ações preventivas.
Que tipos de pesquisas já estão sendo realizadas e publicadas sobre essa relação?
Inicialmente as pesquisas relataram o impacto do SARS-CoV-2 na mortalidade das pessoas e a atenção dos sistemas de saúde e de pesquisa foram direcionados para minimizar as mortes. Houve avanços nesses campos e com a melhora das condutas dos pacientes que adquiriram a forma grave da Covid-19; a atenção é direcionada também para as consequências inflamatória e neurológicas a médio e longo prazo nas pessoas que tiveram as formas leve ou moderada e naqueles que sobreviveram à forma grave da Covid-19. O passo da ciência em unir informações para esclarecer mecanismos da neuroinvasividade da Covid-19 permitirá propor formas de prevenir os danos cerebrais; além disso, o seguimento clínico das pessoas que tiveram a Covid-19 e a observação do surgimento de desordens neurológicas futuras (semelhante ao que ocorreu com o vírus Zika e a relação com a microcefalia) poderá auxiliar na formulação de uma estratégia de tratamento ou reabilitação para essas pessoas.
Como o Sars-Cov-2 está conseguindo chegar ao cérebro?
As evidências sugerem que isso ocorre através de neurônios olfativos, ou seja, o SARS-CoV-2 existente na mucosa do nariz, invade os ramos do nervo olfatório localizados no mesmo e trafegam retrogradamente através do nervo até o cérebro. Outra hipótese é que invada a barreira que protege o cérebro utilizando células do sistema circulatório. O entendimento desses mecanismos auxilia no desenvolvimento de formas de impedir ou diminuir o impacto da invasão inicial.
Seria possível dizer que o Sars-Cov-2 definitivamente afeta o cérebro? Ou o mais adequado seria dizer que há indícios disso?
As pesquisas feitas em diferentes partes do mundo estão mostrando evidências de neuroinvasividade do SARS-CoV-2 no sistema nervoso, inclusive mostrando a presença do SARS-CoV-2 em tecidos neurais relacionadas com os sintomas neurológicos apresentados pelos pacientes.
Texto: Ascom – ISD
Imagem: kjpargeter / freepik.com
Assessoria de Comunicação
comunicacao@isd.org.br
(84) 99416-1880
Instituto Santos Dumont (ISD)
É uma Organização Social vinculada ao Ministério da Educação (MEC) e engloba o Instituto Internacional de Neurociências Edmond e Lily Safra e o Centro de Educação e Pesquisa em Saúde Anita Garibaldi, ambos em Macaíba. A missão do ISD é promover educação para a vida, formando cidadãos por meio de ações integradas de ensino, pesquisa e extensão, além de contribuir para a transformação mais justa e humana da realidade social brasileira.