Antropologia, questões de gênero e a violência contra mulheres, crianças e adolescentes

Publicado em 27 de junho de 2017

Qual é a influência que o gênero exerce na violência praticada contra mulheres? É natural o homem possuir temperamento dominador e agressivo? E a fragilidade e a doçura creditadas à mulher se devem também a questões biológicas ou aspectos culturais interferem nessa percepção social?

Essas e outras questões foram debatidas na Oficina “Gênero e Violência”, promovida pelo Centro de Educação e Pesquisa em Saúde Anita Garibaldi (CEPS) no dia 19/06, em Macaíba-RN. Coordenado pela professora do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Roseli Maria Porto, o evento é alusivo ao aniversário de um ano de operação do Serviço de Atenção às Crianças, Adolescentes e Mulheres Vítimas de Violência Sexual, desenvolvido pelo CEPS e por instituições parceiras.

Grupos trabalhando na Oficina Gênero e Violência

A oficina contou com a participação de gestores e profissionais do CEPS, das unidades de atendimento à saúde do município de Macaíba-RN, da Polícia Militar, do Conselho Tutelar, do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), da Associação Macaibense de Acolhimento Institucional (AMAI), da ONG OIKOS, dos Centros de Educação Científica (CECs) do Instituto Santos Dumont (ISD), da Unidade de Pronto Atendimento (UPA), dos Serviços de Assistência Especializada (SAE) Adulto, da Secretaria Municipal de Saúde, além de alunos de graduação, pós-graduação e residentes das áreas de saúde. Os facilitadores dos trabalhos foram os professores da UFRN, Angela Mercedes Facundo Navia, Elisete Schwade e Paulo Victor Leite Lopes.

 

Comportamentos de homens e mulheres em culturas ancestrais

 

Gênero é diferente de sexo, pois distingue socialmente homens e mulheres, levando em consideração os padrões histórico-culturais atribuídos a ambos. Para explicar aos participantes da oficina até onde as diferenças sexuais são inatas ou culturalmente construídas, foram trabalhados conhecimentos como os produzidos pela antropóloga Margareth Mead, que estudou diferentes tribos ancestrais da Nova Guiné.

Margareth Mead, que pesquisou diferenças de gênero
Margareth Mead pesquisou sobre diferenças de gênero.

Mead descobriu que na tribo Arapesh, por exemplo, homens e mulheres possuem comportamentos dóceis, apesar de desempenharem funções sociais distintas. O cuidado dos filhos é compartilhado entre o casal. Já na tribo Mundugomor, o comportamento masculino e feminino é hostil e violento. Um pai ou irmão pode trocar sua irmã ou filha por uma nova esposa, que se soma às anteriores no cultivo de fumo, aumentando a riqueza do homem. Mulheres preferem filhos homens, pois estes ficam ao seu lado e não dividem o matriarcado. Por fim, na tribo Tchambuli, a mulher detém o poder. Ela escolhe com quem se casará e controla o lucro nas relações comerciais. Os homens são chefes de família, mas atendem às regras impostas pelas mulheres. A eles cabem atividades cerimoniais e ornamentais.

Com formas tão distintas de se entender o papel social de homens e mulheres em tribos que se distanciam geograficamente por apenas algumas dezenas de quilômetros, Margareth Mead identificou que é a cultura que molda o comportamento de homens e mulheres em sociedade. E as diferenças de gênero são cultivadas desde o nascimento dos indivíduos.

 

Estereótipos e desigualdades de gênero surgem na infância

 

Os participantes da Oficina “Gênero e Violência” trouxeram fotos de quando eram bebês. Ao comparar suas imagens perceberam que, fisicamente, meninos e meninas são muito similares durante os primeiros meses de vida. O que os diferenciam são roupas e acessórios escolhidos pelos pais. Meninos vestem macacões na cor azul, enquanto meninas usam rosa, com lacinhos na cabeça e brincos nas orelhas.

Essa diferenciação tende a evoluir durante a infância, com os meninos sendo encorajados a praticarem esportes e a brincarem de aventuras enquanto as meninas se “divertem” cuidando da casa e cozinhando. Estes comportamentos tendem a se enraizar conforme os indivíduos crescem, influenciando na forma como homens e mulheres enxergam o seu papel na sociedade. O reequilíbrio desse cenário só é alcançado com informação e educação desde a infância. Nesse ponto, foi relevante a participação dos profissionais dos Centros de Educação Científica (CECs) do ISD, unidades Natal e Macaíba, que permitiu um maior diálogo entre a área da educação e os atores envolvidos no cuidado a vítimas de violência.

Apresentação - Oficina Gênero e Violência
Apresentação de dinâmica realizada na Oficina Gênero e Violência do CEPS.

Outro ponto importante trabalhado no evento é que as desigualdades de gênero estão impregnadas em diversas esferas da sociedade, inclusive onde não se imagina. Exemplo disso é o conhecimento científico. Na explicação sobre a fecundação humana o espermatozoide é o agente ativo, veloz, determinado, que vence a barreira do óvulo para dar início à uma nova vida. Já a mulher cabe aguardar dócil e passivamente pela realização do trabalho do espermatozoide do homem. Essa visão se construiu, segundo os facilitadores da oficina, porque os principais cientistas de séculos atrás eram homens, impregnados das desigualdades de gênero que impactavam toda a sociedade da época.

 

O impacto das questões de gênero na violência contra mulheres e crianças

 

O que acontece quando uma criança chega a uma unidade de saúde com marcas de violência causadas pelo padrasto e a mãe entra em estado de negação do evento? “Isso acontece muito, porque a mãe dessa criança fica numa situação de extremo desamparo e angústia por ter que tomar uma atitude contra o provedor da família”, explica a enfermeira do CEPS, Alexandra Nascimento Casimiro. Eventos futuros do Departamento de Antropologia da UFRN com profissionais do CEPS e parceiros vão abordar questões dessa espécie, específicas aos profissionais de saúde durante o atendimento de casos de violência contra mulheres, crianças e adolescentes.

Para a coordenadora do Serviço de Atenção às Crianças, Adolescentes e Mulheres Vítimas de Violência Sexual, Carla Glenda, uma ação como a dessa oficina é muito relevante aos membros da rede de assistência para que eles compreendam o que são os estereótipos de gênero, reflitam e lancem um olhar diferenciado e mais humano às vítimas, sem se fixarem apenas nos procedimentos burocráticos. “É preciso ter sensibilidade para não revitimizar a pessoa que sofreu algum tipo de violência, fazendo-a relatar inúmeras vezes os detalhes da agressão”, informa Glenda. O que realmente importa é respeitar a fragilidade de quem enfrentou algo difícil e pesaroso, tratando com respeito, dignidade e sem julgamentos de valor.

Texto: Luiz Paulo Juttel / Ascom
Fotos: Carla Glenda / CEPS

Assessoria de Comunicação
comunicacao@isd.org.br
(84) 99416-1880

Instituto Santos Dumont (ISD)

Organização Social que mantém vínculo com o Ministério da Educação (MEC) e cuja missão é promover educação para a vida, formando cidadãos por meio de ações integradas de ensino, pesquisa e extensão e contribuir para a transformação mais justa e humana da realidade social brasileira.

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Essas e outras questões foram debatidas na Oficina “Gênero e Violência”, promovida pelo Centro de Educação e Pesquisa em Saúde Anita Garibaldi (CEPS) no dia 19/06, em Macaíba-RN. Coordenado pela professora do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Roseli Maria Porto, o evento é alusivo ao aniversário de um ano de operação do Serviço de Atenção às Crianças, Adolescentes e Mulheres Vítimas de Violência Sexual, desenvolvido pelo CEPS e por instituições parceiras.

Grupos trabalhando na Oficina Gênero e Violência

A oficina contou com a participação de gestores e profissionais do CEPS, das unidades de atendimento à saúde do município de Macaíba-RN, da Polícia Militar, do Conselho Tutelar, do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), da Associação Macaibense de Acolhimento Institucional (AMAI), da ONG OIKOS, dos Centros de Educação Científica (CECs) do Instituto Santos Dumont (ISD), da Unidade de Pronto Atendimento (UPA), dos Serviços de Assistência Especializada (SAE) Adulto, da Secretaria Municipal de Saúde, além de alunos de graduação, pós-graduação e residentes das áreas de saúde. Os facilitadores dos trabalhos foram os professores da UFRN, Angela Mercedes Facundo Navia, Elisete Schwade e Paulo Victor Leite Lopes.

 

Comportamentos de homens e mulheres em culturas ancestrais

 

Gênero é diferente de sexo, pois distingue socialmente homens e mulheres, levando em consideração os padrões histórico-culturais atribuídos a ambos. Para explicar aos participantes da oficina até onde as diferenças sexuais são inatas ou culturalmente construídas, foram trabalhados conhecimentos como os produzidos pela antropóloga Margareth Mead, que estudou diferentes tribos ancestrais da Nova Guiné.

Margareth Mead, que pesquisou diferenças de gênero
Margareth Mead pesquisou sobre diferenças de gênero.

Mead descobriu que na tribo Arapesh, por exemplo, homens e mulheres possuem comportamentos dóceis, apesar de desempenharem funções sociais distintas. O cuidado dos filhos é compartilhado entre o casal. Já na tribo Mundugomor, o comportamento masculino e feminino é hostil e violento. Um pai ou irmão pode trocar sua irmã ou filha por uma nova esposa, que se soma às anteriores no cultivo de fumo, aumentando a riqueza do homem. Mulheres preferem filhos homens, pois estes ficam ao seu lado e não dividem o matriarcado. Por fim, na tribo Tchambuli, a mulher detém o poder. Ela escolhe com quem se casará e controla o lucro nas relações comerciais. Os homens são chefes de família, mas atendem às regras impostas pelas mulheres. A eles cabem atividades cerimoniais e ornamentais.

Com formas tão distintas de se entender o papel social de homens e mulheres em tribos que se distanciam geograficamente por apenas algumas dezenas de quilômetros, Margareth Mead identificou que é a cultura que molda o comportamento de homens e mulheres em sociedade. E as diferenças de gênero são cultivadas desde o nascimento dos indivíduos.

 

Estereótipos e desigualdades de gênero surgem na infância

 

Os participantes da Oficina “Gênero e Violência” trouxeram fotos de quando eram bebês. Ao comparar suas imagens perceberam que, fisicamente, meninos e meninas são muito similares durante os primeiros meses de vida. O que os diferenciam são roupas e acessórios escolhidos pelos pais. Meninos vestem macacões na cor azul, enquanto meninas usam rosa, com lacinhos na cabeça e brincos nas orelhas.

Essa diferenciação tende a evoluir durante a infância, com os meninos sendo encorajados a praticarem esportes e a brincarem de aventuras enquanto as meninas se “divertem” cuidando da casa e cozinhando. Estes comportamentos tendem a se enraizar conforme os indivíduos crescem, influenciando na forma como homens e mulheres enxergam o seu papel na sociedade. O reequilíbrio desse cenário só é alcançado com informação e educação desde a infância. Nesse ponto, foi relevante a participação dos profissionais dos Centros de Educação Científica (CECs) do ISD, unidades Natal e Macaíba, que permitiu um maior diálogo entre a área da educação e os atores envolvidos no cuidado a vítimas de violência.

Apresentação - Oficina Gênero e Violência
Apresentação de dinâmica realizada na Oficina Gênero e Violência do CEPS.

Outro ponto importante trabalhado no evento é que as desigualdades de gênero estão impregnadas em diversas esferas da sociedade, inclusive onde não se imagina. Exemplo disso é o conhecimento científico. Na explicação sobre a fecundação humana o espermatozoide é o agente ativo, veloz, determinado, que vence a barreira do óvulo para dar início à uma nova vida. Já a mulher cabe aguardar dócil e passivamente pela realização do trabalho do espermatozoide do homem. Essa visão se construiu, segundo os facilitadores da oficina, porque os principais cientistas de séculos atrás eram homens, impregnados das desigualdades de gênero que impactavam toda a sociedade da época.

 

O impacto das questões de gênero na violência contra mulheres e crianças

 

O que acontece quando uma criança chega a uma unidade de saúde com marcas de violência causadas pelo padrasto e a mãe entra em estado de negação do evento? “Isso acontece muito, porque a mãe dessa criança fica numa situação de extremo desamparo e angústia por ter que tomar uma atitude contra o provedor da família”, explica a enfermeira do CEPS, Alexandra Nascimento Casimiro. Eventos futuros do Departamento de Antropologia da UFRN com profissionais do CEPS e parceiros vão abordar questões dessa espécie, específicas aos profissionais de saúde durante o atendimento de casos de violência contra mulheres, crianças e adolescentes.

Para a coordenadora do Serviço de Atenção às Crianças, Adolescentes e Mulheres Vítimas de Violência Sexual, Carla Glenda, uma ação como a dessa oficina é muito relevante aos membros da rede de assistência para que eles compreendam o que são os estereótipos de gênero, reflitam e lancem um olhar diferenciado e mais humano às vítimas, sem se fixarem apenas nos procedimentos burocráticos. “É preciso ter sensibilidade para não revitimizar a pessoa que sofreu algum tipo de violência, fazendo-a relatar inúmeras vezes os detalhes da agressão”, informa Glenda. O que realmente importa é respeitar a fragilidade de quem enfrentou algo difícil e pesaroso, tratando com respeito, dignidade e sem julgamentos de valor.

Texto: Luiz Paulo Juttel / Ascom
Fotos: Carla Glenda / CEPS

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