Reginaldo Félix sempre gostou de se movimentar: dirigir, viajar, visitar terrenos à venda, encontrar conhecidos pela cidade eram atividades que faziam parte de seu dia a dia. A rotina, estável e sempre integrada às pessoas e lugares ao redor, encontrou um impasse inesperado. Em 2021, Reginaldo levou um tiro durante um assalto e, como consequência, teve uma lesão medular que o deixou paraplégico. Aos 56 anos, o comerciante, natural de Monte das Gameleiras, no Rio Grande do Norte, teve de transformar sua vida – e descobrir novas formas para continuar a fazer tudo aquilo que amava.
Dois anos depois, Reginaldo encontrou as estratégias que permitem que ele faça aquilo que quer e precisa fazer, mesmo sem o movimento das pernas. Para isso, desenvolver uma nova habilidade foi essencial: o manejo da cadeira de rodas. Ele é um dos membros do grupo de de manejo de cadeira de rodas para pessoas com lesão medular do Instituto Santos Dumont, em Macaíba, que iniciou suas atividades em janeiro de 2023 com usuários da linha de cuidado do Centro Especializado em Reabilitação da instituição (CER ISD).
Antes de iniciar a prática no grupo, Reginaldo conta que sabia muito pouco sobre habilidades em cadeira de rodas. Hábitos simples, como se vestir, levantar e deitar da cama, eram difíceis de executar. Depois de meses em avaliação e treinamento coletivo, a mudança na autonomia e independência são notáveis para o comerciante, que percebeu que a nova condição não precisava limitá-lo.
“Eu cheguei aqui e aprendi tudo: a passar da cadeira pro carro, do carro para a cadeira, a colocar os sapatos, vestir o short. Várias coisas que não sabia eu me instruí aqui. A lesão foi um momento muito ruim para mim, porque eu tinha uma vida muito movimentada, desde sempre.. Hoje, as coisas estão fluindo mas, no início, foi muita dificuldade”, diz.
Reginaldo não é o único que encontrou no ganho de habilidades do manejo de cadeiras de rodas um caminho para sua autonomia. É o que demonstram os trabalhos científicos apresentados por residentes e preceptoras do ISD no Congresso Brasileiro de Fisioterapia Funcional (COBRAFIN), que aconteceu no mês de setembro, na cidade de Fortaleza (CE).
As fisioterapeutas residentes do programa de Residência Multiprofissional no Cuidado à Saúde da Pessoa com Deficiência, Jade Padilha e Ana Beatriz Oliveira, conduziram pesquisas com base nas experiências dos participantes do grupo em manejo de cadeira de rodas, com o objetivo de analisar o impacto do treino de habilidades diárias na qualidade de vida e no aperfeiçoamento do processo de reabilitação.
Elas constataram que, com o apoio da família e o contato diário com amigos e conhecidos cadeirantes, que dividiram informações e trocaram experiências, Reginaldo e outros membros do grupo, quando bem orientados, poderiam ter a mesma autonomia de antes da lesão.
No início das atividades do grupo, as pesquisadoras aplicaram um questionário de autopercepção do manejo em cadeira de rodas, que serviu para estabelecer as habilidades e frequência de treino para cada usuário. A percepção foi de que, independentemente do tempo de lesão, dúvidas ou desconhecimento sobre habilidades básicas de manejo eram comuns, destacando a necessidade de incluir esse tipo de prática no plano terapêutico da pessoa em cadeira de rodas.
“Nosso objetivo é principalmente analisar o perfil dos usuários e compartilhar esses dados com a equipe da assistência e cuidado, incentivando a inclusão dessa autopercepção do usuário no plano de intervenção. Além disso, buscamos estimular a importância do treinamento para adquirir habilidades básicas, intermediárias e avançadas e, em seguida, encaminhar para a alta qualificada, etapa em que eles passam a realizar atividades como esporte e musculação”, explica Ana Beatriz.
Práticas que fazem parte do cotidiano de pessoas em cadeira de rodas são o foco do grupo de manejo; São ações como: transferir o corpo da cadeira para a cama ou para o vaso sanitário, ultrapassar obstáculos e andar em terrenos irregulares, por exemplo. Segundo Jade Padilha, o grupo tem como objetivo a iniciação e aperfeiçoamento no treinamento dessas habilidades, a socialização e o trabalho em equipe, mas, acima de tudo, os esforços para que o aprendizado esteja presente em outros espaços e momentos no cotidiano dos participantes, da reabilitação à vida pessoal e profissional.
“Às vezes fazemos o fortalecimento do indivíduo e desenvolvemos várias outras habilidades, sendo que são pessoas que vão passar o dia na cadeira de rodas e muitas não têm noção de como fazer esse manejo. Então, a gente estimula isso para o dia a dia, faz com que isso vá para além daqui, para que outras instituições e agentes também percebam a necessidade da habilidade de cadeira de rodas”, pontua Jade.
Para Reginaldo, as novas habilidades com o instrumento o impulsionaram, inclusive, a seguir caminhos nos quais antes jamais havia pensado, como o do esporte. Hoje, ele pretende iniciar sua jornada no paradesporto, que também é uma das linhas de cuidado do CER ISD. “Desde o ano passado venho me movimentando, voltando a todo o movimento que fazia antes. Estou querendo voltar aos poucos ao que fazia no passado, e também iniciar em outros caminhos, como o do esporte.”, conclui.
Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência
No dia 21 de setembro, celebra-se o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência. A data foi instituída pela Lei nº 11.133/2005, com o objetivo de conscientizar sobre a importância do desenvolvimento de meios de inclusão das pessoas com deficiência na sociedade. Essa inclusão passa por vários âmbitos da sociedade: educação, saúde, trabalho, esporte, cultura e lazer.
A coordenadora do Centro Especializado em Reabilitação do ISD, Camila Simão, destaca que a construção de uma sociedade inclusiva deve acontecer de forma coletiva, removendo as barreiras físicas e atitudinais que impedem o acesso de pessoas com deficiência aos direitos garantidos a todos os cidadãos. “Uma das ações mais importantes que precisamos fazer, e que se trata de educação em saúde, é sair das clínicas e serviços ambulatoriais para conscientizar a sociedade sobre a necessidade de remoção das barreiras, principalmente as atitudinais, para facilitar o acesso das pessoas com deficiência para conseguirmos a tão sonhada inclusão social”, destaca.
Apesar da falta de acessibilidade de espaços físicos ser um obstáculo para a plena cidadania de pessoas com deficiência, as barreiras atitudinais, ou seja, aquelas que reduzem o indivíduo à deficiência que possui, ignorando suas potencialidades e reduzindo-o a um estereótipo, são também um grande desafio que merece destaque no debate público. “A barreira atitudinal é uma das mais impactantes e que mais dificultam a real participação social e inclusão da pessoa com deficiência nos contextos que ela quer e precisa estar”, completa.
SOBRE O ISD
O Instituto Santos Dumont é uma Organização Social vinculada ao Ministério da Educação (MEC) e engloba o Instituto Internacional de Neurociências Edmond e Lily Safra e o Centro de Educação e Pesquisa em Saúde Anita Garibaldi, ambos em Macaíba. A missão do ISD é promover educação para a vida, formando cidadãos por meio de ações integradas de ensino, pesquisa e extensão, além de contribuir para a transformação mais justa e humana da realidade social brasileira.