Dos Andes ao Caribe, a pesquisa científica no sul global atravessa diferentes vivências culturais e estruturais, buscando transformar a realidade social. Ela propõe soluções para desafios mundiais e reconhece os pesquisadores da região como essenciais para o conhecimento científico. Nesse sentido, o intercâmbio de conhecimento surge como um dos fatores primordiais para a integração científica.
É nesse contexto que o Instituto Santos Dumont (ISD), organização social localizada em Macaíba que atua na pesquisa em neuroengenharia e neurociências e na saúde materno-infantil e da pessoa com deficiência, opera com uma política de portas abertas, recebendo, todos os anos, pesquisadores de todo o mundo.
Entre 2022 e 2023, grande parte dos pesquisadores externos que desenvolveram suas pesquisas junto a professores e estudantes do ISD vieram de outros países da América Latina. É o caso de Cristian Blanco-Diaz, Ximena Gonzalez e Juan Lucas García Osorio, naturais da Colômbia, que desenvolveram pesquisas em diferentes etapas de suas formações acadêmicas.
Engenheiro biomédico pela Universidad Antonio Nariño, na Colômbia, e mestre em engenharia elétrica pela UFES, o pesquisador Cristian Blanco-Diaz passou pelo ISD em 2023 com uma missão: aprimorar seus conhecimentos sobre a neurorreabilitação e contribuir com o desenvolvimento tecnológico da área. No ISD, Cristian foi orientado pelo professor-pesquisador do Instituto, Denis Delisle Rodriguez, natural de Cuba e trabalhou com Ximena Gonzalez, também colombiana, no desenvolvimento de interfaces cérebro-computador (ICC) baseadas em imagética motora da caminhada, na reabilitação de indivíduos com lesão medular espinal (LME).
Combinada com treinos de movimento de marcha no Lokomat, dispositivo robótico com esteira usado na reabilitação, a ICC possibilitou a oferta simultânea da reabilitação física e neural, efetivamente treinando o ato de andar novamente. Junto à fisioterapeuta e mestranda em Neuroengenharia, Ericka Serafini, a interface desenvolvida por Cristian foi utilizada em intervenções com pacientes diagnosticados com lesão medular espinal. Com os estudos, foi observada uma melhora no comportamento do cérebro cortical dos indivíduos, melhorias funcionais no controle da bexiga e melhoria na percepção sensório-motora.
“Como pesquisador, posso dizer que os resultados da minha visita ao ISD trouxeram duas contribuições: uma no campo das interfaces homem-máquina e outra no campo da neurorreabilitação. Nossos resultados preliminares sugerem que nosso sistema poderia ser usado para a reabilitação e poderia ter um impacto clínico maior em comparação com as terapias convencionais”, ressalta Cristian.
Um dos trabalhos resultantes deste estudo, que tem participação de Ericka Serafini e do professor Denis Delisle, foi aceito como artigo científico no periódico IEEE Transactions on Biomedical Engineering, uma das maiores publicações na área de engenharia biomédica.
“Anualmente, temos alunos visitantes estrangeiros vindo de universidades de alto prestígio com o propósito de cursar disciplinas e trabalhar em projetos afins a seus temas de interesse, aproveitando a incomparável infraestrutura do ISD e o conhecimento de nossos profissionais e alunos. Mas para além da formação acadêmica, o intercâmbio propicia uma oportunidade ímpar para compartilhar diferentes culturas, incluindo o aprendizado de idiomas populares, como o espanhol, inglês, e o próprio português”, pontua Delisle.
Quem também desenvolveu interfaces cérebro-computador foi Ximena Gonzalez, engenheira eletricista pela Universidad Pedagógica y Tecnológica da Colômbia e mestre em engenharia elétrica pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Ela trabalhou também junto a Denis Delisle em duas ICCs, com foco nos membros inferiores.
Com a primeira, acompanhou o nível de contração dos pés durante a dorsiflexão (movimento de flexionar os dedos do pé em direção à perna), com o objetivo de coletar e processar sinais cerebrais e realizar a estimulação baseada nisso. Já a segunda focou na velocidade de marcha, estimulando diferentes músculos da perna para controlar a caminhada. Ximena utilizou o Neurofeedback aliado ao equipamento Zero G, um dispositivo de assistência para marcha, usando os sinais cerebrais captados pela eletroencefalografia (EEG).
A proposta final é possibilitar uma reabilitação completa através da tecnologia, podendo também aplicá-la a outros músculos, dependendo das necessidades do paciente. O trabalho foi levado para a “International Conference on Control, Automation and Diagnosis”, em Paris, na França. Além disso, um artigo derivado do estudo desenvolvido no ISD está na lista de finalistas do IEEE/RAS-EMBS Best Student Awards, premiação internacional do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos.
“O período no ISD foi muito importante para o meu doutorado, já que consegui desenvolver ICCs que podem ser usadas em nosso laboratório de pesquisa na UFES e também ser aplicado em pacientes que sofreram AVC ou lesão medular completa. Participações em eventos internacionais são exemplos do que permite que outros países conheçam nosso trabalho, nossa pesquisa, ressaltando o que é feito no Brasil e na América Latina”, considera a pesquisadora Ximena Gonzalez.
Resultados para além dos laboratórios
Juan Lucas Garcia Osório cursava o último período de Matemáticas Aplicadas e Ciências da Computação na Universidad del Rosario, na Colômbia, quando veio a Macaíba para ser pesquisador visitante no ISD. No Instituto, desenvolveu parte do seu projeto de conclusão, uma interface cérebro-computador voltada à inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Como resultado, o trabalho de Juan Lucas recebeu o Prêmio de Tese de Mérito pela Universidad del Rosario.
A pesquisa de Juan Lucas também foi desenvolvida com orientação do professor Denis Delisle. Eles trabalharam no desenvolvimento de uma interface cérebro-computador que responde a potenciais visuais evocados e fornece feedback através do jogo sério. “Durante meu tempo no ISD, tive a oportunidade de testar este sistema com pacientes que tinham deficiências motoras, o que nos permitiu avaliar sua eficácia e fazer os ajustes necessários para melhorar sua funcionalidade”, explica Juan.
“Minha visita ao instituto permitiu melhorar técnicas e expandir meu conhecimento como pesquisador. Poder testar meu sistema em pacientes que precisavam dele foi uma experiência que mudou minha forma de pensar e minha abordagem na pesquisa. Sem dúvida, experimentei um crescimento exponencial como pesquisador durante minha estadia no ISD, o que não apenas beneficiou minha pesquisa atual, mas também me equipou para projetos futuros”, complementa o pesquisador.
Move La América
Uma das oportunidades para intercâmbio e fomento de pesquisas é o Programa Move La América, organizado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). O objetivo é oferecer estágios, pesquisas, atividades de extensão e disciplinas em Programas de Pós-Graduação (PPG) de Instituições de Ensino Superior (IES) brasileiras para estudantes estrangeiros da América Latina e Caribe.
O programa oferece bolsas nas modalidades mestrado e doutorado sanduíche no Brasil, sempre em áreas relacionadas à sua área de atuação. O ISD é uma das instituições participantes, oferecendo 10 vagas de mestrado para estudantes estrangeiros de pós-graduação da América Latina e do Caribe. As vagas são para o mestrado do Programa de Pós-Graduação em Neuroengenharia (PPGN) da instituição.
Saiba mais em www.isd.org.br > Ensino > Move La América.
Sobre o ISD
O Instituto Santos Dumont (ISD) é uma Organização Social vinculada ao Ministério da Educação (MEC) e engloba o Instituto Internacional de Neurociências Edmond e Lily Safra e o Centro de Educação e Pesquisa em Saúde Anita Garibaldi, ambos em Macaíba. A missão do ISD é promover educação para a vida, formando cidadãos por meio de ações integradas de ensino, pesquisa e extensão, além de contribuir para a transformação mais justa e humana da realidade social brasileira.